sábado, 29 de maio de 2010

Uma trajetória de fel

Tereza se preparou para dormir. Tirou o hábito como era de costume. Colocou o crucifixo sobre a penteadeira e sem querer pegou-se olhando seu corpo nu refletido no espelho.
Em todos esses anos, nunca havia reparado como era bela. Sentiu-se mulher, acariciou seus seios fartos e deslizou a mão levemente sobre todo o seu corpo pálido e escultural sobreposto no espelho de seu quarto. Por uma faceta de instante tornou-se sensual, bonita, mulher. Mas em sua totalidade ao pensar na culpa do pecado cometido começou a rezar e a pedir penitência.
Enquanto isso em sua mente, lembranças dos acontecimentos que ultimamente tiravam-lhe o sono. Pensou na vida, pensou na morte, desejou nunca ter existido!
...

Colocando o pijama imediatamente ensaiou ir ao banheiro, mas aborreceu-se por saber que teria que andar o convento todo para chegar até o local.
Lógico, quinze lances de escadas não fazem mal a ninguém, principalmente se estiverem mal iluminados – pensou em voz alta.
Tomando coragem foi direto em direção da porta, ao olhar pela fresta viu que estava tudo escuro e que pairava sobre o ar um breu total, as paredes e os objetos assumiam formas estranhas, tudo era diferente.
Por uma questão de segundos, quase desistiu de sair, mas lembrou-se que tinha um grave problema na bexiga e que se não urinasse, posteriormente faria nas calças. Assim, benzeu-se, resmungou o pai nosso e abriu a porta com toda força que tinha. Saiu...
...

Chegando ao banheiro, não perdeu tempo, foi logo ao ponto chave, mais uma vez teve a oportunidade de se olhar, mas procurando não pecar evitou olhar para si. Enxugou-se e foi direto até a pia para lavar suas mãos, pegou a pasta que estava no armário, escovou os dentes com suavidade; aliás esses lhe davam muito prestígio, pois tinha tido o privilégio de ter um sorriso invejável, que por sinal refletia muito bem sua tenra idade.
Agora olhando fixamente para o espelho, se atentava ao seu rosto. Eminentemente vieram-lhe os pensamentos que a afligiam.
Será que seu lindo sorriso seria um estímulo a devassidão? Como poderia ter agido daquela maneira?
Como se não bastasse cometer um pecado, havia cometido uma série. Sendo estes imperdoáveis, indo totalmente contra os princípios da bíblia sagrada e da santidade da igreja católica.
Como poderia ser tão subversiva? Como poderia ter agido erroneamente?
Perderia a bolsa e estudos, pela a qual havia lutado tanto para conseguir, sendo que por três tentativas sem sucesso, por três anos seguidos havia tentado a bolsa na universidade pública, mas só agora com a ajuda da madre Justina havia sido contemplada. Isso porque a freira tem relações comerciais com o reitor Alberto Tezolin.
Como poderia colocar tudo a perder? E a expulsão? Seria excomungada do convento e ridicularizada pelas noviças por toda eternidade? Tendo assim que criar um filho renegado?
Assim, antes de se tornar um escândalo generalizado, tomou uma decisão.
Seguindo sua consciência aflitiva, ligou para Magno e marcou um encontro.
Vamos nos encontrar ás dezenove horas... Pode ser perto da universidade ..
...

Magno escolheu um bar chique da Vila Olímpia que tocava samba e MPB. A apresentação da noite era do grupo Demônios da Garoa.
Ele pediu uma cerveja, ela um suco de laranja...

Como era noviça, Tereza não precisa usar o hábito fora do convento, se vestida belamente.
Por três horas consecutivas conversaram. Não se sentindo bem com o ambiente, a jovem freira achou que mais um vez estava pecando, pois na concepção da igreja, aquele local era um lugar profano.  Mas aceitou, enfim tinha que resolver o problema o mais rápido possível.
Tomou  folego e sem pestanejar contou:
Sou freira, estou grávida,  e o filho é seu!
Magno quase teve um colapso...
...

Chorando desesperadamente Tereza passou a culpar Magmo por sua situação. Externando suas preocupações e sem medir palavras a freira passou a ofendê-lo.
Furiosamente, sem se dar conta das pessoas que estavam em sua volta Magno se levantou, e aos berros disse:
Vagabunda! Você  que erra e eu que sou o errado, foi você quem me seduziu, desde o começo você sabia que eu era casado e mesmo assim aceitou. Agora vem com este papo que é freira e ainda que está grávida. Ah! Tenha paciência!
Não vou assumir esta culpa. Se você quiser, tenha o filho, ou o tire, pois para mim não importa, não faz diferença.
Sem pagar a conta, saiu raivosamente, desapareceu.
...

Tomando a decisão que mudaria sua vida por inteira, a noviça resolveu voltar ao convento, pelo menos por ora.
Como de costume, ao chegar foi direto para o seu quarto. Empilhou os livros, guardou a bolsa, bocejou, pensou em dormir, mas antes tirou a roupa. Mais uma vez olhou no espelho e viu como era bela, passou a acariciar os seios fartos, deslizou a mão sobre todo o corpo nu, até chegar a parte genital, masturbou-se até sentir um profundo prazer. Passado a sensação de frescor, chorou sentida, sentiu um profundo descontentamento, algo que nunca havia sentido antes. Rezou incessantemente. Agora rezava Ave Maria.
Pegou o celibatário  e começou a se mutilar, bateu em suas costas com toda força, até sentir rasgar a pele. Gritou; pediu perdão a Deus por tudo que havia cometido.
Neste momento, como que uma luz, teve uma idéia. Iria forjar um seqüestro. Sairia do convento e teria seu bebê sossegadamente. Não levaria mais a culpa, acharia um jeito de enterrá-la.
Ao cair em si, arrumou as malas apressadamente, quebrou o cofrinho, pegou todas as economias que guardava há anos.
Embarcou rumo a ilusão, seu destino, Santana do Parnaíba.
Era meia noite e não havia  mais nada aberto. De longe avistou uma única luz acessa. Foi ao encontro, era um motel, não hesitou. Alugou um quarto para passar o resto da madrugada. O dia amanheceu e com este veio o desespero. Na ânsia de acabar logo com aquela situação, ligou para o convento. Fazendo-se passar por outra pessoa, comunicou o possível seqüestro.
Madre Justina quase surtou, começou a passar mal e esboçando um desmaio foi levada as pressas a enfermaria.
A polícia foi acionada e a imprensa também. Por sete meses e meio continuaram as negociações.

O tempo foi passando e a situação piorando, a ex-freira estava cada vez mais gorda; Já não tinha mais aquele corpo atraente. As pernas estavam inchadas como de um bêbado, o rosto parecia de uma bolacha traquinas e o corpo assemelhava-se com de um violão selo.
Os enjôos eram constantes, contínuos e freqüentes. Ao se olhar no espelho não via prazer, havia se esquecido das obras da carne, não se sentia mais mulher. Afinal, será que tinha aprendido a se controlar obtendo assim o perdão de Deus, ou simplesmente não se achava mais atraente? Questões como estas afrontavam sua alma...
Os dias foram se passando, a hora se aproximava, temendo ser descoberta,  Tereza decidiu partir para o Rio de Janeiro, mas acometida por uma forte dor, foi levada por um desconhecido ao hospital São Tomé dos Milagres. Depois do parto, sentiu que sua hora havia chegado. Identificada por um enfermeiro que correu para avisar a polícia sobre seu aparecimento, se viu obrigada a tomar uma decisão urgente.
Pegou a criança na incubadora,  mesmo sabendo que corria risco de vida.
Sem conseguir andar muito, parou em frente à paróquia Luz Divina. Benzeu-se e lamentando muito, abandonou o recém nascido.
Ao ser reconhecida pelo padre foi levada direto para o convento. Ao chegar, foi submetida a uma sabatina,  condenada a uma série de torturas, não agüentou. A pressão que foi imposta era muito pesada, decidiu tomar a última decisão de sua vida terrestre. Agarrou-se ao pé da cama, pegou um punhal em forma de crucifixo que havia confeccionado e enfiou com toda força em sua barriga.
Horas depois foi encontrada morta. Madre Justina e Magno se arrependeram.
Na cabeceira de sua cama havia um bilhete escrito com as seguintes palavras:
- “O salário pago pelo pecado é a morte!”

Rodrigo Freitas

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