Inconcebível, algo difícil de relatar e descrever. Foi esta sensação que eu tive ao sair da casa do poeta Zhô Bertholini em Santo André (SP). Foram aproximadamente cinco horas de conversa, aprendizado, discussão, apresentação de trabalhos, ideias e histórias que podiam se transformar em dias, noites e até anos (sem exagerar), se eu não tivesse que ir embora. Um momento fabuloso que se pode resumir em uma única palavra: magia.
Descrever e tentar falar sobre Bertholini é mais difícil do que escrever sobre os grandes nomes que influenciaram gerações com os clássicos da literatura mundial.
Homem de trejeitos diferenciados, ideias e cultura que muitas vezes podem soar inexplicáveis e confusas para pessoas que apenas detém o senso comum, ser humano de uma aura simples, porém astuta, um hippie endoidecido contra o sistema, uma pessoa que carrega costumes antigos, ultrapassados - diriam alguns, mas que tem o presente como seu palco. Um ser fenomenal, uma mistura de gênio com um bom malandro. Este é Zhô Bertholini, se é assim que podemos o descrever.
Nascido no ano de 1953, José Bertholini Vericondo é uma das grandes figuras da literatura nacional contemporânea.
Com seu jeito modesto de se viver, com poemas fantásticos e escrita alternativa, definitivamente tem conseguido conquistar a todos por onde passa.
“Falar que tenho um estilo, não! Às vezes trabalho com a questão da transpiração, aí a inspiração deixa de existir. “Pego determinado tipo de coisa e determino que seja aquilo.”
Tem coisas que vem no insight, eu não chamo de inspiração. “Muitas vezes estas vem em forma de soneto” – afirma o poeta ao falar sobre seu eu-lírico.
Mais do que a forma com que ele coloca suas idéias no papel, o que chama atenção é o seu jeito hippie de ser, lembro entusiasticamente como fui recebido, sempre cortês, Zhô me ofereceu suco, refrigerante, cerveja, comida, e outras coisas, mostrou a casa e os quartos, a biblioteca, a vitrola importada, a coleção de discos raros, falou sobre poesia, mostrou obras antigas e recentes, materiais nunca publicados, rascunhos e outros, falou de seus artistas prediletos, suas preferências pessoais, as músicas e os estilos que costuma ouvir, falou sobre arte, política nacional e regional. Enfim, comentou sua vida, ofereceu sua residência, abriu seu guarda roupa de emoções, preto e branco e colorido.
“Gosto de ouvir tudo. Na verdade uma boa música! Não tenho um gosto especial, gosto de poesia contemporânea, como leio Mil em uma Noites, escuto Ataulfo Alves, Lenine, clássicos do Rock e Bossa Nova.
Além disso, Bertholini mostrou ter outras paixões. O que dá mais prazer para ele é falar sobre um dos seus maiores trunfos, a revista A Cigarra (publicação literária que existe a mais de 25 anos), na qual, ele é um dos editores - projeto desenvolvido em parceira com a poetiza Jurema Barreto.
Outro assunto, de que Zhô gosta de conversar é sobre artes gráficas, pois além de poeta ele também é atua neste seguimento. No entanto, as incursões pela arte não param por aí, com uma sua longa carreira o artista
“multiuso” já atuou em vários segmentos culturais. Trabalhou como locutor e animador de rádio, editou jornais e revistas, participou de programas televisivos, organizou feiras de discos e vinil, publicou fanzines, entre outros. Segundo conta, a sua longa trajetória só foi possível, pois ele começou a desenvolver muito cedo os seus trabalhos artísticos.
“Comecei nos anos 60. Nos anos 70 eu já tinha algumas propostas. Na verdade, acho que quando me dei por gente, assim que aprendi a ler e escrever já tinha um ideal.
Com 13 anos, eu trabalhava em uma grande editora com artes gráficas. Em 1968, participei de um festival de música na Faculdade de Desenho eTecnologia de Mauá. Assim que acabei minha apresentação, foi surpreendido pelos militares que interromperam o festival e mandaram todo mundo ir embora sem olhar para trás”.
Não é a toa que o poeta, filósofo, crítico e advogado Tarso de Melo, escreveu posfácio do livro Vagamundo (última publicação lançada pelo poeta – em fevereiro deste ano) as seguintes palavras:
(...) “Não cabe num livro a utopia do poeta vagamundo, que arrasta seus sonhos pelo espaço e não se enquadra no tempo dos outros. Da mesma forma, não dormem no dicionário essas andanças sem cerimônia pelos descaminhos da língua do dia a dia (que até pouco tempo era dia-a-dia!), pois a fala de Zhô não sossega: trafega pela poesia alheia, passeia no labirinto da música, visita os meandros da gíria e, mais que tudo, circula pela vida e traça as linhas tortas de uma biografia sem bússola, navilouca, desgarrada, à deriva”.
De fato, Zhô é personificação da poesia, com uma pitada de urbanismo, polêmicas e sentimentos.
Fato é, que quando questionado sobre algumas políticas destinadas a cultura, como a lei Roane, Bertholini afirmou que em sua opinião a lei não funciona corretamente.
“A lei só funciona para quem tem “cacife”. Acho que é muito complicada. Ela não serve para quem tem projetos pequenos. Tem que ser grandes projetos.
O sistema não te dá nada. Tem uma coisa embutida nele que te dá um tempo, e logo em seguida te tira no outro.”
Ainda continuando a falar sobre políticas direcionadas a cultura, o poeta e artista gráfico, comentou que para ele, um dos melhores momentos da cultura no País foi sob a atuação do ex-ministro Gilberto Gil.
“O Gil para mim sempre foi gênio! Além de musico é um grande poeta. Se pegarmos o trabalho de Gil em letra e musica e tentarmos entender é realmente fantástico.
A atuação de ministro foi legal, porque um cara que nos anos 60, fez uma coisa que a cultura e a civilização que se danem eu não, é fantástico!
Chamado cheio de contradição teve problemas de verba e capitação, mas mesmo assim ficou praticamente seis anos no cargo. É lógico que não agradou a todos. O problema da política é esse. Então cria essa discussão, esse mal estar. Aquele disse me disse que eu esperava mais de fulano...
Mas em parte ele conduziu, ora deixou a desejar. Mas, isto não foi um problema só dele, não era uma autoridade, somente um ministro da cultura que dependia da capitação de recursos”.
Sem ressalvas, para Bertholini o mundo é uma grande poesia. Uma mistura de experiências entrelaçadas entre real e o surreal, um retrato inconcebível.
Rodrigo Freitas
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